27/11/2011

poesia e a finitude: diálogos com o perecer

Em razão do grande número de textos acerca dos movimentos Ocupa, redigidos e postados em novembro, acabei negligenciando a edição de poemas neste mês. Na verdade, faltava apenas um poema, esse que segue abaixo, o que eu adiva era um comentário acerca dessa seleção de poemas e sobre os poems em si.

Tal com em novembro de 2010 (aproveitando a data de Finados) selecionei poemas que falam da relação do ser humano com a morte, ou melhor, com o morrer, com o perecer, esse horizonte que está sempre à nossa volta, à nossa frente, mesmo que sejamos educados, formados para ocultar tal relação e tal horizonte.

A escolha de poemas que dialogam com o morrer nosso de cada, já pelo segundo ano consecutivo, não reflete uma atitude algo patológica, derrotista, fatalista , ou o que seja.
É apenas uma forma de lembrar esse acontecimento (e a relação com esse aconteciemnto),  que talvez seja tão essencial ao ser humano quanto a próprria existência. Rilke, Blanchot, Heidegger e muitos outros propõem: é a morte que ilumina a existência, à morte deveríamos dedicar mais cuidado, deveríamos aprender a aceitar, e mesmo  aprender a amar, o seu desvelar no nosso dia  a dia.

Na verdade, quando conseguirmos de fato instaurar um mundo feito para as pessoas e para a vida (que oxalá esteja se iniciando com  os movimentos Ocupa e com a atual Rebelião Planetária) o convívio e o cuidado com o morrer certamente não serão vistos como algo indesejável e bizarro, doentio e supérfluo.

Certamente, então,  haverá nais tempo e um ambiente mais propício para se cultivar, individual ou coletivamente, as vivências interiores, os dialógos filosóficos e metafísicos, enfim, as indagações ora silenciosas ora verbalizadas acerca de nós próprios, acerca do Ser e acerca de nós próprios no meio do Ser, e, entre essas indagações, a condição de morrer estará presente.

Com certeza, então, a morte será entendida e vivenciada não como algo terrível e limitador, e como algo a ser ignorado ou combatido, mas como a aparição que dá plenitude a nossa precariedade, algo que faz cintilar mais ainda a nossa singularidade, exatamente pelo fato de tornar ainda mais admirável a finita estada de nossa consciência e de nossa vivência  no meio do ser. 

O assunto é pulsante e renderia muitas e muitas reflexões - apesar do véu que nos ensinam a sobre perante o mesmo. Mas, como nesse ano o tempo é breve, remeto aos comentários do ano passado: a frágil subversão do dia dos mortos.

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Antes, uma breve menção aos poemas deste ano.  A começar por esse que vai abaixo, eras, de Celan.
Aparentemente, o poeta assume uma postura completamente derrotada e niilista, no seu desamparo. Um lamento subjetivo, narcisista, como se "tudo" no mundo existisse para nos aconchegar ou 'desertar' de nós. A dor que se alimenta de si própria, desvinculada de qualquer outra vivência humana. Na sua caminhada final rumo ao suicídio (Celan se matou em 1970), bem que esse niilismo deseperado pode ter se apossado de Celan. Ms é preciso levar em conta atenuantes: como se sabe os pais de Celan foram assassinados num campo de concentração da Alemanha nazista, e o poeta sempre vivenciou, ao longo de sua vida, uma atribulada relação com a morte anônima, brutal, com morte sem o devido cuidado e sem o devido desvelo, em razão dessa morte estúpida imposta aos seus pais - eles são figura recorrente na sua poesia.
Há outro poema de Celan, publicado neste mês: ilegibilidade. nele fica ainda mais evidente e comovente a marcha de Celan rumo ao suicídio, rumo à não-aceitação de nossa finitude, com tudo o que ela implica de contraditório, de sofrimento e de aprendizado. Mais sobre Celan aqui e aqui.

Já em espreita há uma bela e serena invocação (embora com a presença de uma certa mágoa do poeta) desses momentos em que a morte e a nossa finitude nos enviam seus sinais e sussuros.

Em uma chama,  se não há um inventário poético de momentos, cenas  e cenários, há um apelo direto, uma entrega resoluta ao destino que espera a nós, entes finitos mas iluminados pela 'chama' de nos sabermos testemunhas privilegiadas de tudo o que existe: testemunhas do ser e dos cosmos,  e também testemunhas do nada, da morte - ao contrário dos demais viventes e das coisas, que ao que se saiba não têm essa singular percepção do próprio fim.  

Noutros poemas há um vivência menos individualizada e, por extensão,  menos densa da morte. Há como que um amparo mútuo, o absoluto  e grandioso enigma da morte é, não desvendado, mas ao menos compartilhado por vivos  e mortos.
Ora entre amantes já mortos como em órgãos vitais, ora um vivo meditando sobre a partida de amantes também já mortos, como em piscar. E uma ambígua tentativa de comunicação entre pai morto e filho vivo, como em conversa de família - embora vazada numa  fala de cortante desengano e lucidez, deixa entrever uma espécie de percepção mística, como se o filho pudesse sutilmente perceber nos espaços e no tempo os fugidios acenos e sussuros daquele que morreu. Aliás, a respeito dessas enigmáticas percepções do ausente nos ares e instantes dos vivos, remeto a um poema de minha autoria, também publicado ano passado: ilha, luto.

Por fim, os poemas que escrevas: lembra Blanchot, com a sua afirmação de que escrever é falecer, perecer, de que, para o escritor, a escritura é a única forma não afundar na inevitável e constante percepção do perecimento e, ao mesmo tempo, de celebrar e acolher esse e perecimento.
Para Blanchot, a obra de um escritor - independente de quantos livros escreva e de quanto tempo demore para fazê-lo -  resume-se ao final numa só obra.

Uma fala única, a exigir  o cuidado do escritor de forma ininterrupta e interminável, numa obra sempre retomada e nunca concluída, aliás somente concluída com o término de seu constante perecimento, término que se dá exatamente no ato de morrer. 
Maurice Blanchot fala de tudo isso, de forma densa, poética e magistral, em "O espaço literário" (Editora Rocco, 1987),  a partir da abordagem de  obras e existências de escritores e poetas:  Kafka, Rilke, Holderlin, Mallarmé, Tchekov, entre outros.

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