28/04/2009

rebelião na Grécia, abril (III)

Basílica de São Marcos, em Iráklios, ocupada pelos inurgentes gregos no final de março

Abaixo, mais notícias sobre as ações rebeldes na Grécia, que continuam firmes e fortes. É interessante notar a extrema lucidez e clareza revolucionária dos insurgentes, que escolhem como alvo instituições e poderosos símbolos do Estado e do poder capitalista: bancos, câmeras de vigilância, forças policiais, caixas eletrônicos, sedes de partidos políticos tanto de direita quanto de esquerda, empresas de telefonia, concessionárias de automóvel.

Os libertários de todo o mundo devem exultar ao imaginar essa festiva mas implacável revolta dos gregos, num ousado movimento de resgate do homem, da vida e do mundo, das garras de uma engrenagem que, já tendo cumprido o seu papel histórico, precisa ser combatida com urgência, e superada de forma radical, sob o risco de permanecer como uma aberração a nos governar de forma estúpida e desumana.
E é gratificante constatar que essas iniciativas surgem logo no país que está na raiz mesma da civilização ocidental, com tudo o que essa civilização carrega de grandeza e miséria, de fascínio e de opressão.

Oxalá, essas ações libertárias que se irradiam da Grécia sejam sinais de bom augúrio, a inaugurar uma nova era para a humanidade, da mesma forma que, há cerca de 2.500 anos, brotou de lá uma contribuição fundamental para os caminhos do homem no mundo, através da poesia, do teatro, da arte em geral, da política e, claro, da Filosofia.

Afinal, mesmo que a Filosofia tenha fornecido o principal suporte intelctual para o projeto de conquista e dominação levado a cabo pelo Ocidente, isso não quer dizer que essa tenha sido a sua principal ou última contribuição; com certeza o seu vasto e inigualável patrimônio intelectual ainda continuará a alimentar, com riqueza e lucidez, as novas jornadas que aguardam a humanidade - mas agora uma contribuição renovada, que certamente saberá levar em conta a presença das outras formas de conhecimento e vivência, tais como a literatura, a poesia e as artes em geral - tanto eruditas quanto populares -, a religiosidade, as visões de mundo e ‘sabedorias’ orientais, africanas e ameríndias.

Avante, libertários gregos!


As fotos e o texto abaixo foram extraídos e traduzidos do blogue grécia libertária
Sábado, 25 de Abril
A altas horas da madrugada, um grupo de pessoas atacou com coquetéis molotov a uma patrulha antidistúrbios na Praça Kánigo, no centro de Atenas.No mesmo dIa, foi totalmente destruído o local do partido Nova Democracia (governo atual), no bairro de Kipséli.

Domingo 29 de março de 2009
Atenas:
Uns sete polícias, enquanto estavam fazendo patrulha pelo centro de Atenas, receberam o ataque de uns 50 anarquistas. Um polícia resultou ferido e foi levado ao hospital, enquanto o mesmo grupo seguiu destroçando a fachada do Banco Nacional, na rua Eólu.

Sábado 28 de março
Bairro de Gkísi (Atenas): Manifestação de centenas de vizinhos de Gkízi contra as antenas de telefonia móvel, tendo como resultado a "desativação" de una antena da companhia Cosmote.

Cidade de Sérres: Ataque ao Banco Nacional. Caixa automático queimado e a entrada do banco destruída.
Cidade de Tesalónica: Nos dias 23 e 25 de março, se realizaram ataques a várias sedes de partidos políticos que provocaram grandes danos materiais. Mais especificamente, as sedes de: Nova Democracia, do PASOK, do K.K.E (Partido Comunista), SYRIZA (coalizão de esquerda e LAOS (extrema direita).

A uma da madrugada, umas 15 pessoas atacaram a concessionária da Jaguar no bairro Ateniense de Jalándri, com coquetéis molotov. Quatro carros resultaram totalmente queimados e vários "sofreram" danos materiais. Em Tesalónica, o grupo atacou o Banco Millennium, com coquetéis molotov.

Cidade de Iráklio (Creta): Foi ocupada a Basílica de São Marcos, no centro de Iráklio, para alojar as jornadas solidárias da Assembléia de Insurgentes de Iráklio.

Outras ações da rebelião na Grécia, essas ocorridas ainda em janeiro

paisagem urbana, humana (I)

Junte-se o aparecimento da gripe suína, com pessoas acuadas e mascaradas, a lembrar mórbidos cenários futuristas, junte-se as recorrentes crises econômicas do capitalismo, junte-se as primeiras desordens climáticas supostamente resultantes do aquecimento global, junte-se o desemprego, a miséria e a perplexidade de alguns, o consumismo, o medo e a modernosa/presunçosa anestesia de outros, junte-se a institucionalização das violências (mais sofisticada nos países ricos, do tipo garotos e desempregados que assassinam pessoas aos montes, e cada vez mais brutal e cínica nos nossos países de periferia), junte-se colossais engarrafamentos com uma multidão de motoristas a praguejarem dentro de seus tão acalentados sonhos de consumo (os famigerados automóveis, que fazem girar as engrenagens da economia, entopem as ruas já atulhadas de transeuntes e ambulantes e espalham seu odor fétido e seus ruídos agressivos pela cidade afora), junte-se a vertiginosa derrocada das chamadas instituições democráticas e de alguns dos aparatos ideológicos e de controle a serviço do Estado capitalista (escolas, parlamentos, ‘justiça’, polícias, igrejas), junte-se a crescente capitulação e imobilismo da esquerda institucionalizada, junte-se tudo isso e não há como não lembrar de um poeminha de Waldo Motta, publicado em 1991:

turba

quereis fugir
ondas em pânico?
não há onde ir.

Recado curto e grosso.
Mas talvez haja, sim, um lugar para ir. Para as ruas, uns ao encontro dos outros, ao encontro do projeto coletivo, libertário e planetário de finalmente termos o comando de nossas vidas, o projeto de finalmente podermos decidir quais são realmente as nossas necessidades e as nossas potencialidades, o projeto de decretarmos o fim da conquista pela conquista, o fim do domínio pelo domínio, o fim do domínio da lógica predadora e estúpida do capitalismo sobre as delicadas e complexas riquezas do mundo e de nós próprios.
Talvez haja, sim, um lugar para ir, mas um lugar ainda a ser construído, construído por nós, bandeirantes de nós mesmos. E, aí sim, talvez a ingenuidade juvenil do poema abaixo (de minha lavra, escrito no distante 1988) possa dialogar com a corrosiva e implacável certeza do poemeto de Waldo Motta:

bandeirantes do arco-íris

tudo úmido e colorido.
mas um dois três operários
as chinelas de dedo
pedalando molemente as bicicletas
cortaram nosso caminho
fazendo-nos parar no meio da rua
em frente ao jardim

nossos pés estacaram
em cima dos paralelepípedos
nossos rostos tomavam
das gotículas que caíam das ramagens

nossos e deles olhares se encararam
ao mesmo tempo que abraçavam por inteiro
as árvores vivas verdes escorrendo
sobre nós, sobre pedras, sobre o instante

houve a fugaz impressão
de que as árvores nos olhavam
as suas bicicletas nos olhavam
enquanto todos nos olhávamos molhávamos
na umidade que orava e orvalhava na tarde

olhar relâmpago, fogo azulado
tempo verde e exato
de realimentar na tarde cinzenta
a rubra crença de um dia
marcharmos juntos em avenidas
de punhos e corações erguidos
rumo às trilhas do arco-íris
(viçosa, abril de 88)

Textos relacionados: ocupar as ruas, manter a chama e explosões do verbo e da cidade (esse último a ser publicado em maio)

Roberto Soares Coelho

26/04/2009

ocupar as ruas, manter a chama

A matéria abaixo, Protestos anti-OTAN, vem como registro de que a esquerda radical e libertária não deixou passar em branco as cúpulas do G-20 e da OTAN, a aliança militar do capitalismo ocidental, ocorridas agora em Abril, na Europa.

O que se vê é que, mesmo para grande parte da esquerda, a solução da crise mundial passa pelas vias institucionais e pela negociação entre países ricos e países emergentes/subdesenvolvidos, ou seja, acredita-se na reforma do capitalismo, obtida através de sua suposta regulação e humanização; haveria depois a substituição pacífica do modelo, através de processos eleitorais e mobilizações sociais. Enfim, ainda não predomina na maioria da esquerda a visão de que é possível e urgente uma ruptura e uma imediata superação deste projeto de civilização do Ocidente, atualmente capitaneado pelo capitalismo.

Se até a esquerda assim se posiciona, não é surpresa que, para a grande maioria das pessoas e principalmente para a mídia, os protestos de abril não tenham passado de distúrbios promovidos por agitadores e sonhadores, que se aproveitam do momento de crise mundial, para tentarem colocar novamente na ordem do dia suas obsoletas idéias de anarquismo e socialismo libertário.
Mas podemos ter uma outra leitura desses questionamentos e enfrentamentos, feitos por movimentos anarquistas e libertários, partidos da esquerda radical e ongs de orientações políticas diversas. Afinal, ainda não terminou o grande combate entre o projeto de conquista capitalista e o projeto de uma caminhada socialista e libertária.

Claro que somente a História poderá dizer quem tem razão, neste momento em que se abrem dois caminhos para a esquerda: 1) apostar num suposto esgotamento do capitalismo e partir para um processo de mobilização, ruptura, enfrentamento e construção de alternativas concretas ao capitalismo e 2) uma postura mais cautelosa e ‘lúcida’, oferecendo às massas uma espécie de capitalismo melhorado para, mais à frente, construir pacificamente uma transição para uma sociedade socialista. Seria uma solução do tipo minar a ordem capitalista ‘por dentro’, com a tática de não fazer o enfrentamento direto com as desumanizadas forças da chamada ‘elite’, nem de se afastar da sempre assustada classe média.

Mas, de qualquer forma, é preciso respeitar e levar a sério a opção do movimento libertário e anarquista. Há uma clara postura do movimento em acreditar que o momento de ruptura é agora, pois se não houver uma conscientização, mobilização, resistência e construção de projetos alternativos e inteligentes, essa devastadora demonstração de irracionalidade dos países centrais do capitalismo pode desembocar num sistema de poder ainda mais desumano, alienante e opressor. O capitalismo, para se manter enquanto poder dominante, pode ter que lançar mão da instabilidade perpétua, da insegurança, da alienação e narcotização crescentes das pessoas, através da ininterrupta oferta de mercadorias e serviços visivelmente dispensáveis, e também visivelmente destruidores do já fragilizado meio ambiente.

Enfim, o tão esperado capitalismo reformado, com o qual a esquerda entende que tem que se comprometer, pode não passar de uma monstruoso modelo social e econômico, um modelo de anticivilização, uma espécie de ditadura com aparência de democracia, disfarçada numa mistura de instabilidade, insegurança e sedução tecnológica e modernosa e, o que é pior, uma ditadura acolhida e até mesmo defendida pela massa assustada e narcotizada.
O que está em jogo então nessas manifestações, como as ocorridas agora em abril, é muito mais que saudosismos de movimentos e grupos desorientados, supostamente incapazes de se adequar a um avanço da história, incapazes de perceber a possibilidade e a necessidade de um suposto encontro entre a esquerda lúcida e responsável e um capitalismo reformado, humanizado, um capitalismo que, em razão de uma crise profunda, estaria disposto a se regenerar, a percorrer o bom caminho.

O que está em jogo, nessas manifestações, é o grito de alerta de pessoas e movimentos que conseguem discordar dessa postura otimista, ou conformista. É o grito que ousa discordar dessa postura que vê o capitalismo como um sistema que sempre será capaz de superar suas próprias crises, aliás, um sistema que até precisaria dessas crises para sair mais fortalecido e consolidado e, assim, promover progressos e saltos de qualidade e de aprendizado para o a humanidade.
As manifestação são também um grito contra as táticas da maioria da esquerda mundial, que acredita que haverá tempo para vencer o capitalismo de forma gradual, institucional, até conseguirmos sutil mas firmemente promover a sua substituição. O problema é que o caos e a irracionalidade, a instabilidade e a barbárie estão se institucionalizando, estão se tornando algo natural, estão se tornando até mesmo instrumentos de poder (a esse respeito, aguarde texto poético a ser publicado em maio: explosões do verbo e da cidade); a questão é saber se haverá tempo para essa substituição ‘civilizada’ do capitalismo.

É, então, um grito contra o perigo que pode estar à espreita, o perigo de uma sociedade completamente narcotizada, robotizada, assustada, plastificada, tecnologizada. É um grito alertando para a urgência da ação e do enfrentamento, da urgente construção de alternativas ao modelo de civilização produtivista e consumista, modelo que seduz e aprisiona tanto à esquerda quanto à direita.
Ocupar as ruas significa, também, que o grito de alerta não é apenas abstrato, teórico, acadêmico, intelectualizado. Significa sair do âmbito do pensar, mesmo que seja o correto e lúcido pensar, para realmente acreditar e estar disposto ao enfrentamento do perigo, significa o complemento concreto do pensar lúcido e corajoso.
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É preciso lembrar, também, que as atuais manifestações de rua não são fenômenos isolados, anacrônicos, perdidos no tempo; elas têm toda uma história, fazem parte, sim, de uma seqüência, cujo início podemos, em termos de época moderna, situar na Revolução Francesa (que teve o seu ímpeto libertário capturado, neutralizado pela nascente burguesia).
Há uma continuidade através de centenas de ações de resistência e enfrentamento, mesmo que tenham se dado em contextos e com motivações diferentes, e mesmo que tenham sido derrotadas, capturadas ou distorcidas: Comuna de Paris, Rússia, Guerra Civil espanhola, Cuba, apenas para citar as mais consagradas. As manifestações deste ano e as da última década (Seattle, Washington, Genova, Chiapas, as revoltas dos imigrantes na França, entre outras, sem esquecer, claro, as recentes rebeliões populares na Grécia) têm, assim, ligação direta com todas as ações de resistência e enfrentamento ao capitalismo, e estão bem próximas, no tempo, de um dos momentos maiores mais vibrantes e ousados do movimento de contestação ao atual modelo de civilização, que foram as ações dos estudantes, operários e da juventude em geral na chamada contracultura, nas décadas de 60 e 70.

Enfim, são combativas demonstrações, que mantêm viva a crença na possibilidade de uma humanidade concretamente voltada para sua tarefa essencial, que é a de respeitar e reverenciar a vida, as pessoas e o próprio mundo, uma humanidade que não se entregue a estruturas e grupos de poder cegos, irracionais e cada vez mais desumanos. Mantêm viva a crença de que podemos cuidar e fruirmos da riqueza que há em nós próprios e no mundo que nos cerca, sem estarmos submissos a estruturas que nos alienem de nós próprios, estruturas que cada vez mais nos afastam uns dos outros, tomados pelo medo, hostilidade, indiferença e futilidade.

Claro que uma postura de respeito e de maior atenção, para com essas ações de resistência e enfrentamento do movimento libertário, não exclui a legitimidade a necessidade das outras formas de atuação, propostas ou praticadas pela esquerda institucional, principalmente aquelas mais incisivas, adotadas por alguns governos progressistas da América Latina, na tentativa de construção de um socialismo institucionalizado. O que importa é que cada parte compreenda a escolha e a forma de luta, que reconheça a força e a verdade bem como compreenda as eventuais limitações da outra parte, todos sabendo que o fundamental é resisitir e derrotar o inimigo comum, sabedores de que lá na frente, à época da colheita e da Grande Festa da humanidade, cada um terá dado o seu trabalho e a sua crença.

Que as ruas sejam cada vez mais tomadas, que o grito de alerta dos anarquistas e libertários soe cada vez mais sonoro e vibrante, e que seja cada vez mais ouvido, antes que estejamos todos narcotizados em nossas almas de plástico.
Roberto Soares Coelho

15/04/2009

Protestos anti-OTAN

Por CMI-internacional 06/04/2009, às 20:25

A mobilização contra o encontro da OTAN de 2009 havia começado desde o ultimo encontro, no qual uma ativista morreu atropelada por um carro do comboio do encontro. Desde o final de março um acampamento autogestionado, anti-autoritário e ecológico foi instalado na cidade de Estrasburgo para abrigar milhares ativistas. Paralelamente aconteceu o G20 em Londres, e lá durante o grande protesto um manifestante foi espancada pela policia e ao fim da tarde foi encontrado morte, parada cardíaca.
Após receber essa informação, cerca de 3 horas da madrugada, vários ativistas do acampamento anti-OTAN decidiram fazer um protesto anti-repressão durante a tarde de 2 de Abril. A primeira manifestação de rua do contra encontro contava com cerca de 700 pessoas ao inicio, e tinham como palavras de ordem: Anti capitalista, No peace, No justice. Fight the police! etc. O trajeto foi marcado por afrontamentos com a policia, ataque a um quartel militar, a uma delegacia, barricadas... Até perto do fim a policia não havia conseguido prender ninguém, ao retornar ao camping a manifestação teve que passar pelo meio de uma floresta pois as ruas estavam bloqueadas, a partir de então a policia começa a caça. Helicópteros dizem onde estão os manifestantes e a policia inunda a floresta de gás lacrimogênio e tiros de balas de borracha.
Varias prisões aconteceram, e um grupo de aproximadamente 250 pessoas foi cercado pela policia e todos presos. Por conta de desorganização policial quase todos foram liberados ainda na mesma noite. Durante a caça da policia na floresta, outro grupo de manifestantes que estavam no acampamento decidiram ir a floresta ajudar os outros, daí a policia utilizou isso como pretexto para atacar o campo, resultando numa batalha de horas entre barricadas do campo e policia. Por fim,a policia foi embora.

Segundo dia: um exército de palhaços partiu para uma intervenção na cidade, conseguiram furar o bloqueio, fizeram sua ação e foram cercados pela policia que queria prender todos eles. A noticia chega ao acampamento, e milhares de pessoas partem para os liberarem. Palhaços liberados, ação com sucesso. Mas nem tudo acabou, novamente a policia utiliza essa ação como pretexto para atacar o campo, dessa vez com a cooperação alemã e um enorme caminhão com jatos d'agua. O afrontamento dura horas, barricadas pegam fogo e os manifestantes ?se revezam? durante o afrontamento. No camping as bombas de gás lacrimogênio parecem fogos de artificio. Policia recua mais uma vez, sem nenhuma prisão.
Vídeo resumido:

Terceiro dia: grande manifestação com mais de 30 mil pessoas. Durante a trajetória acampamento ? ponto de encontro (6 KM) a policia tenta proibir os ?manifestantes radicais? de passar 3 vezes. 3 vezes afrontamentos e recuo da policia. Ao chegar ao ponto de encontro da manifestação, há um atrasa para a partida e milhares de alemães não podem atravessar a fronteira bloqueados pela policia. Esperando a manifestação começar 3 postes com câmera são derrubados, um hotel incendiado, um posto de alfandega incendiado, um posto de gasolina incendiado, 2 igrejas pilhadas, e diversos afrontamentos com a policia. Durante a manifestação a policia bloqueia mesmo o percurso legal, e mais uma vez os afrontamentos acontecem. A partir daí varias prisões acontecem e a manifestação ?termina? caoticamente. Como todas as ruas estavam bloqueadas as pessoas não podiam nem mesmo chegar ao acampamento, aos seus veículos ou a estação de trem.

Após essa séie de protestos a policia visa ainda mais o acampamento e faz prisões quando os ativistas retornam da manifestação. No último dia a policia cerca todo o acampamento e faz o controle de todas as pessoas que saem do acampamento, várias pessoas são presas, materiais de foto e vídeo apreendidos, meninas sendo revistadas por policiais homens, entre outras arbitrariedades. Algumas dezenas de manifestantes ainda estão em prisão preventiva e três alemães foram julgados e condenados a penas entre 3 e 6 meses em prisão fechada. 2 deles já anunciaram que vão começar uma greve de fome. Breve relato entre preguiça, erros ortográficos e necessidade de falar.

literatura: gerard e gilliat, heróis sem prêmio

Gostaria de comentar aqui um duplo cruzamento: entre duas excelentes obras literárias, por um lado, e entre estas obras e a própria tarefa do escritor, por outro. Na verdade, escrevi este texto em 1992, para ser publicado no 'Nova Expressão', jornal cultural alternativo que eu e Eudes de Souza, atualmente professor de português na rede estadual de Minas, editávamos em Viçosa, MG.
Trata-se de “Os trabalhadores do mar” (1866), de Victor Hugo, e “O salário do medo” (1950), de Georges Arnaud. Dois livros com uma convergência: ilustram de forma comovente, mas sem pieguices e ideologias, a admirável presença do herói anônimo nas conquistas da civilização. Essas desconhecidas presenças que, ora complementam de igual para igual, ora até mesmo superam os feitos mais consagrados dos comandantes ocidentais.
Um brevíssimo resumo dos dois livros.
“Os trabalhadores...”: Mess Lethierry é um capitalista pioneiro, dos tempos da nascente revolução industrial. Tem uma filha adotiva, Déruchette, a quem o excêntrico operário e marinheiro Gilliat dedica um enigmático amor. Lethierry investe todo o seu capital num investimento ousado: compra um navio a vapor, a Durande, para fazer a travessia do Canal da Mancha, uma “prodigiosa novidade” para a época, na ilha de Guernesey. O negócio vai bem até que a Durande encalha no meio de rochedos. O local do naufrágio é perigosíssimo, inacessível para um salvamento com os recursos da época. Gilliat, sem ninguém saber, vai até o local e aí, depois de dias e noites terríveis, consegue trazer a Durande de volta. Lethierry quer que ele se case com Déruchette . Mas Gilliat se deixa morrer afogado pela maré alta, numa espécie de cadeira natural lavrada na rocha a beira-mar, onde ele costumava ficar horas e horas em silêncio, sentado, nas ocasiões de maré baixa.

“O salário...”: há um violento incêndio num poço de petróleo de uma multinacional americana, dezesseis trabalhadores indígenas mortos. A única forma de apagar o sinistro seria através de poderosas ondas de vento provocadas por explosivos colocados em volta do poço. Mas seria necessário transportar a nitroglicerina através de uma distância de 500 km. A estrada de chão é razoável, mas para esse tipo de transporte é preciso muita perícia e coragem: qualquer choque mais forte e o instável líquido se aqueceria a uma temperatura fatal. A Crude consegue contratar quatro motoristas (aventureiros fracassados, desesperados para sair da Guatemala) para tentar levar a perigosa carga, em dois caminhões. Um dos veículos explode na estrada matando os dois motoristas. Gerard, o único que consegue chegar vivo até o poço, recebe o prêmio sozinho (seu companheiro morrera por falta de socorro do próprio Gerard). Mas, na entusiasmada viagem de volta, Gerard também morre, num acidente bobo.

Fica difícil, no exíguo espaço de um artigo, ilustrar a idéia apontada no início, a da admirável tarefa desse dois heróis anônimos. Só mesmo lendo os livros, envolvendo-se na quase mágica batalha de Gilliat: dos rochedos e do fundo do mar ele retira o que comer, improvisa ferramentas, um abrigo onde se proteger das tempestades e do negrume, do navio ele retira material par fazer um 'muro' debaixo d'água, que protegesse o local de trabalho da ação das correntes marítimas, para citar apenas algumas de suas peripécias.

E acompanhar a sôfrega viagem de Gérard e seus companheiros, minuto a minuto no limiar de um colapso, o corpo e a consciência eletricamente ligados a cada buraco da estrada, que poderiam provocar uma explosão na volátil e perigosa carga. E, além da preocupação com os buracos e com uma velocidade mal calculada (tinha que ser ora mais devagar, ora mais rápido, por causa das "costelas" da estrada, por exemplo), há ainda o pavor do fortíssimo sol tropical a aquecer o tanque de explosivo. E é tudo concreto, passível de ser realizado, não há brincadeiras, Victor Hugo e Arnaud não recorrem a efeitos especiais, sabem do que estão falando.

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Mas, voltando a Gérard e Gilliat, eles tinham mesmo que morrer?
Eles personificam a clássica definição que os gregos davam para o herói: mistura de divino e de humano, o divino realizável, tornado possível pela ação dos mortais. Mas se os heróis ousam humanizar o divino, também pagam um alto preço por terem se envolvido com o "fogo do céu" (Hölderlin).

Finda a tarefa do herói é como se existisse um vazio, o cotidiano humano, após o retorno, parece por demais lento, estranho, sem perspectivas. Já no primeiro dia de suas voltas ( e o último de suas vidas) é como se Gérard e Gilliat fossem agarrados pela saudade do Absoluto, do transcendente que haviam experimentado nos últimos dias. Uma saudade que, num nível secreto e inextirpável, deve ter instilado neles um obscuro desejo de morrer, de repousar. Os quatro mil dólares de prêmio (que permitiriam a Gérard retornar à Europa, liberto de uma vida deteriorada num país miserável do terceiro mundo) e o casamento de Gilliat com Déruchette seriam prêmios irrisórios, por demais humanos, para quem havia por alguns dias incorporado no corpo e na consciência situações cruciais da evolução da civilização ocidental: o salvamento do mais moderno meio de transporte da época e a garantia de fornecimento da mais importante fonte de energia do século XX.
O prêmio justo seria que fossem elevados à condição de comandantes, mas, na atual etapa da história, um prêmio impossível para marinheiros, aventureiros e operários que não tiveram a sorte de nascer no lugar de pseudo-comandantes.

Resta dizer que nesse morrer dos heróis vislumbra-se, também, um outro paralelo, do qual falamos no início: a trajetória da personagem se entrecruzando com a do escritor.
É preciso não esquecer que personagens são submissos à vontade e às necessidades inconscientes do autor. E depois de forjar uma relação de tamanha intensidade de nossos heróis com o Absoluto, para o escritor é sem sentido, é banal conceder ao personagem uma existência limitada no meio dos mortais, depois que ambos, o criador e a criatura, beberam do "fogo do céu". O escritor joga para dentro do personagem seu próprio vazio e perplexidade, após ter vivido a desgastante e solitária grandiosidade proporcionada pela feitura da obra. É como se aniquilando as possibilidades da criatura, o escritor aniquilasse a sua própria e inútil saudade do Absoluto proporcionado pela criação da Obra. Resta-lhe esquecer aquela vivência e por isso às vezes precisa "matar" seu personagem.

Aqui, talvez coubesse fazer uma ressalva a essa 'solução final' praticada pelo escritor: caso o autor colocasse a sua obra num plano maior, no plano do coletivo, do engajamento, talvez ele não precisasse recorrer à dissolução, à aniquilação, para dar um sentido para essa mesma obra; quer dizer, se estivesse de fato comprometido com a lucidez e com a esperança proporcionadas pela luta coletiva, o escritor não se permitiria reduzir a sua criação, com tudo o que ela tem de complexo, a uma necessidade puramente egocêntrica, subjetiva. Realmente, desse ponto de vista, parece muito presunçoso, da parte de Hugo e Arnaud, aniquilar seus personagens, apossar-se de seu destino final como deuses arbitrários, entediados - ainda que o façam de maneira inconsciente.

E, avançando um pouco mais, poderíamos até mesmo acusar os nossos escritores de reacionários, de proporem um falso enfrentamento: na medida em que criam personagens que desafiam aquilo que está colocado, que transgridem as regras, e depois aniquilam esses mesmos personagens, os escritores seguem apenas a velha fórmula moralista de alertar para os perigos de se desafiar a ordem estabelecida, seja ela colocada pelas forças da natureza ou da sociedade - enfim, o castigo para os heróis que ousam desafiar os deuses.

Com relação a essa última possibilidade, basta ler as obras em questão para se chegar a conclusão bem diversa. E quanto a exigir do escritor uma solução sempre construtiva, lúcida, crente, para as contradições que ele consegue manifestar através de personagens e situações, isso já seria querer demais, já seria falsificar a própria realidade, ou melhor, seria dar vida a situações e personagens pré-fabricados segundo moldes morais, filósoficos ou ideológicos: neutralizar as contradições de personagens em nome de um engajamento, de um projeto de transformação seria o mesmo que negar esssas contradições e, portanto, distorcer ou negar a possibilidade superá-las efetivamente.

Que nos contentemos com a tarefa essencial dada ao escritor, que é a criação de algo, a tarefa de provocar no Real o advento de mais um ente novo, como se o escritor fosse um demiurgo, a cooperar com a criação, com este Todo que se criou, que se cria e que continuará a se criar. Ao escritor já basta ter operado como instrumento para o surgimento de mais uma manifestação no Real, ou neste Todo. Afinal, o escritor tem também o direito de existir tão somente enquanto construtor e conquistador, tanto quanto os comandantes e os comandados, tanto quanto os heróis anônimos representados por Gerard e Gilliat. As duas obras acerca das quais viemos falando neste artigo são, em primeiríssimo lugar, nada mais do que duas novas manifestações lançadas ao Real, e ao mesmo tempo duas novas celebrações desse mesmo Real, desse Todo.
Então passa para um plano secundário exigir que os escritores dêem soluções abstratas ou convenientes para as contradições que ele encontra no Real. O que o escritor pode e deve fazer é registrar essas contradições e dramas da maneira mais comovente que puder; para que, aí sim, aquele que ler e acolher a obra possa escolher a leitura que fará delas - se filosófica, ética, política ou apenas estética, ou prazeiroza, sem outro compromisso que não a comunhão. Para que leitor e escritor possam celebrar a nova criação lançada no Todo, ou no Real. É o que esse texto tentou fazer - acolher, celebrar e fazer a sua leitura dessas duas criações.

Roberto Soares Coelho

ocupação dandara

(a luta popular em belo horizonte)
Ocupação Dandara é um blogue que traz notícias e reflexões acerca do cotidiano de uma ação política radical ocorrida em Belo Horizonte, agora na Semana Santa. A ocupação foi promovida pelas Brigadas Populares, MST e Fórum de Moradia do Barreiro. DESVELAR publica dois trechos extraídos do blogue, um de natureza bem informativa, narrando a tensa dinâmica da ocupação, e outro de cunho mais panfletário, vazado numa linguagem mais poética, ou profética, bem num clima de religiosidade engajada, a lembrar que ainda estão vivas, e muito vivas, pessoas, posições e correntes da Igreja Católica que não se omitem da luta política, que ainda acreditam que ‘Terra não é obra mágica e unilateral de um Deus milagroso, mas resultado das lutas e suor de tod@s que comungam a certeza que o Divino se torna presente onde a vida é respeitada’. Quem quiser, também conheça melhor as Brigadas Populares. A seguir, os fragmentos extraídos do Dandara.

Segunda-feira, 13 de Abril de 2009
A Páscoa Subversiva de Dandara
Antes de Jesus, o povo celebrava a Páscoa em memória a saída do Egito, a chegada à terra prometida. Páscoa é passagem, travessia, como nos diria Guimarães Rosa. A verdade se põe pra gente é no meio do caminho. Em meio aos mares revoltos e as cruzes do nosso mundo, onde a crise financeira (na verdade uma crise do sistema de morte) sobrecarrega os oprimidos com fardos maiores, eis que um sinal da vida que resiste brota no chão de Belo Horizonte.

Dandara é resultado da mobilização e trabalho árduo de todos os movimentos envolvidos, mas antes de tudo a materialização das esperanças de mulheres e homens que realizam sua travessia em busca daterra prometida, da terra sem males. Terra que não é obra mágica e unilateral de um Deus milagroso, mas resultado das lutas e suor de tod@s que comungam a certeza que o Divino se torna presente onde a vida é respeitada.

Não há ressurreição sem a passagem pela cruz, sem travessia. Dandara é ao mesmo tempo ressurreição e travessia. Sinal concreto que novos céus e terras estão por vir. Estes não nascerão da benevolência dos poderosos, mas da luta do povo a caminho.
Viva Dandara, Viva a Povo que Luta!Amém! Axé! Awere!
Emmanuel Almada, Grupo Aroeira – Ambiente, Sociedade e Cultura

Histórico e situação atual

A ocupação foi realizada na madrugada de 09/04/09 com 150 famílias, pelo Fórum de Moradia do Barreiro, Brigadas Populares e MST. O terreno tem 40 hectares e está abandonado desde a década de 70, além de acumular dívidas de impostos na casa de 18 milhões de reais.
Toda a imprensa cobriu o caso e está havendo grande repercussão pública em Belo Horizonte. As matérias de modo geral (exceto Globo) têm tratado com relativa isenção, e o Estado de Minas resolveu silenciar. A Record tem feito plantões permanentes atualizando os fatos e dando a melhor cobertura.

Atualizações

A polícia tem dado vôos rasantes de helicóptero, intimidando as famílias acampadas.Ainda não foram solucionados os problemas de acesso à água e energia.

Não há mais espaço na área de confinamento que a PMMG demarcou, mas seguem chegando famílias.

Fizemos uma lista de espera que já tem 300 cadastros de famílias querendo entrar na Dandara.

flecheira libertária II

Também presentes neste mês mais algumas amostras da contundente seção ‘Flecheira Libertária’, publicada toda terça-feira no site do nusol, bem como dois textos da ‘Hypomnemata’, esta última publicada mensalmente, também elaborada pelo pessoal do nusol. Ambas as seções são sagazes retratos das contradições insolúveis, que presenciamos no dia a dia de nossas vidas e num mundo cada vez mais dominado e manipulado pelos poderes do Estado.
São leituras que aguçam o senso crítico, que dão um choque na nossa justificável tendência para o otimismo e para a crença na capacidade humana de superação dos dilemas e perigos ao longo de nossa história. O problema é que dessa vez parecem estar muito mais urgentes e perigosas as crises, as contradições e o empobrecimento existencial-afetivo, sob as engrenagens de poder dos estados capitalistas.
Essas seções do nusol mostram com clareza e argúcia que não adianta tentar ir pelo pensar e agir mais fáceis, ou mais tranqüilizadores.
flecheira 106 - 14/04/09
história de vida
Presas tomam seus filhos nos braços e fogem a pé da prisão, no final da tarde do domingo de Páscoa, em São Paulo. Estão vivas! Enquanto as boas almas reclamam por falta de segurança, elas correm riscos por si e por seus filhos.

conservadorismo moderado: fragmentos de notícias
Reativar manicômios; renovar a cortina de ferro na Europa; saudades de Stalin; tribunal penal internacional;greve de fome de presidente contra o parlamento; cotas; proibicionismos; amor ao emprego; amor à escola; amor ao perdão; separar-arruinar-reduzir para depois incluir; condenar as drogas; cultuar a psiquiatria e a farmacologia; acreditar no fim das impunidades; fazer plástica para parecer menos velho (a); câncer; o ovo de Darwin; clamar por segurança, prisões e punições; viver solitário na vida computo-informacional; confiar na mídia; assistir abestalhado execuções por penas de morte na televisão; conviver com um micro big-brother...

satélites com batatas fritas
Nos anos 1960, a McDonald’ Corp. sobrevoava bairros em monomotores para localizar escolas e, perto delas, instalar lanchonetes. Nos anos 1970, passaram a buscar locais promissores de helicóptero. Na década de 1980, começaram a comprar fotos de satélite, para estudar padrões de crescimento urbano e, assim,
planejar novas lojas. Já nos anos 2000, a companhia criou um programa, o Quintillion, que indica lugares para novas unidades a partir do cruzamento de mapas georreferenciais, dados demográficos, fluxogramas de produtos, pessoas e padrões de consumo. Tecnologia como a da NASA, das polícias, dos governos, dos bancos, dos exércitos poderosos. Eis, também, o negócio de vender hambúrgueres na sociedade de controle!

flecheira 105 - 07/04/09
pedagogia da revista
R$ 945,00 sumiram da escola. A direção do estabelecimento de ensino chamou a PM e apontou os suspeitos. Diversos adolescentes foram obrigados a tirar a roupa para serem revistados. Nada foi encontrado. Cenas de uma escola estadual da periferia de Goiânia. “Queremos segurança nas escolas, mas tem que ter limite!” — reclamou um pai perplexo com a condução do caso. Sem perceber que abrir a porta para a almejada segurança implica perscrutação ilimitada, extensiva a quem dela acredita necessitar.

flecheira 104 - 31/03/09
um perigo para a sociedade. Qual?
Famosa proprietária de um shopping de consumo caríssimo de São Paulo foi presa juntamente com seus assessores. Ela foi sentenciada a mais de 90 anos de cana por diversos crimes de sonegação. Em poucas horas saiu livre porque os juízes não a consideram um perigo para a sociedade. De fato ela não é um perigo para a sua sociedade de granfinos. Ela é daquelas que se protegem dos outros: o perigo para a sociedade (dela). Isso tem um nome: seletividade do sistema penal. Tem outro: a propriedade é um roubo (das forças de invenção e contestação). E mais um: as outras sociedades são compostas por conformistas e otários.

melhor ou pior?

O governo brasileiro distribuirá à PM de todo o país armas do tipo taser, consideradas “menos letais”. Só isso já causaria o deleite da maioria, porém há mais: nas armas existem mecanismos de registro da hora do disparo e que permitem sua identificação para uma eventual auditoria. Deleite dos democratas. A assepsia da sociedade de controle induz à complacência. As palavras de um filósofo ecoam: perguntar o que é mais tolerável é cair numa armadilha.

Babel?

“A viagem foi bem menos perigosa do que a maioria esperava” declarou uma das integrantes da primeira visita turística ao Iraque desde 2003. Após beberem uma “ Heineken gelada” e caminharem por Basra, Uruk, Kerbala e Najaf, entraram no microônibus com ar refrigerado escoltado por seguranças particulares. Enquanto no porta-retrato ou no álbum destes turistas pioneiros ficarão pregadas as recordações desta “ viagem” em Bagdá, corpos e mais corpos silenciados por metralhadoras abrem espaço para novas e lucrativas expedições.

Hermanos...

Os correntes protestos na Argentina por mais segurança levaram o governo a anunciar um novo plano nacional de segurança pública: a contratação de 6.800 policiais, a compra de 500 viaturas equipadas com GPS, 5.000 câmeras de vigilância, além de 21.500 celulares a serem distribuídos para os caguetes de plantão. Os pontos principais de ação são as zonas de vulnerabilidade: periferias de Buenos Aires e de Mendoza. As pessoas reivindicam, confiam e apreciam cada vez mais equipamentos tecnológicos de monitoramento; é a naturalização de uma conduta policial em nome do bem comum e da prevenção geral. Desejam e clamam pela propagação do governo sobre as suas vidas e sobre a tua.

“ nômade não é forçosamente aquele que se movimenta: existem viagens paradas num mesmo lugar, viagens em intensidades” (gilles deleuze)

Hypomnemata nº 107

(março 2009)

Do amor ao Estado e dos amantes da ordem

Pesquisadores especialistas em segurança pública, durante muito tempo, insistiram que o problema da violência e da segurança fazia com que muitas pessoas que viviam em situação ou áreas de riscos, ou mesmo dentro dos presídios, ficassem a mercê de bandidos e criminosos integrantes de comandos e facções.
Argumentavam que essas pessoas entregavam-se nas mãos dos criminosos, por falta de presença do Estado, na medida em que o Estado só aparecia para pobres e favelados com sua face repressiva — a polícia —, capaz apenas de conter os efeitos e não as causas da violência e da insegurança. Para atacar as alegadas causas, era preciso investir em políticas públicas voltadas para redução da pobreza e ampliação do exercício de diretos. Seguindo tal argumentação, a polícia não serve para nada, logo, ela pode ser dispensada, abolida. Mas não foi isso que aconteceu.
Hoje, o amor ao Estado e a atuação dos amantes da ordem, ampliou a presença da polícia como prova do zelo de governantes com os seus comandados. Diversificaram as atribuições dos policiais, agora divididas com policiais que não usam fardas militares. Atualmente, a polícia baixa, desce o cacete, para depois oferecer assistência social, médica e odontológica; dar cursos de formação cidadã e até oferecer serviços de agência de empregos.
Irmanadas às ONGs, financiadas por grandes empresas e coordenadas pelo governos estaduais, multiplicam-se os policiais bem formados e caridosos que atuam em periferias, vielas, cortiços, becos, bocas e bibocas, seduzindo um rebanho normalizado que atende, voluntariamente e com fervor, à convocação para serem, também, policiais que zelam pela saúde, bem-estar e segurança da comunidade. Essa educação para a ordem começou, no Brasil, com a aplicação das medidas sócio-educativas em meio aberto para jovens classificados como infratores, que recebiam, dentro e fora das instituições austeras, formação e formatação necessária para acreditar na sua condição de futuro cidadão e adolescente em desenvolvimento.
A polícia, hoje, retoma suas funções iniciais de zeladora do bem comum, como anunciada em sua emergência na Europa, multiplicando a presença dos pastores laicos que cumprem suas cátedras policiais como atuação da chamada sociedade civil organizada. Assim, amplia-se o esplendor do Estado e faz-se o regozijo dos assujeitados e amantes da ordem que habitam os campos de concentração a céu aberto.
Na sociedade de controle, política e polícia se irmanaram como a tecnologia de poder que perpetua as práticas disseminadas de governo entre os assujeitados e a crença no Estado como incontornável condição de existência.
Conversa pra boi dormir, ou pra adormecer o corpo
Nos EUA, depois de uma série de suicídios e assassinatos em massa nas escolas, médicos, pedagogos, juristas e especialista, em geral, começaram a chamar a atenção na mídia para o que seria o fenômeno bullying.
O bullying, de acordo com os mesmos especialistas, seria a prática, entre os alunos, de agredir física, verbal ou psicologicamente os coleguinhas.
Tal fenômeno provocaria tamanho transtorno psicológico, que levaria crianças e jovens a cometer suicídio ou a responder de forma extremamente violenta, como os massacres de Columbine, ou, mais recentemente, na Alemanha.
Acontece que o american way of life — tão disseminado durante a chamada guerra fria para valorizar o capitalismo em contraposição ao socialismo — estabelece uma lógica de vencedores e perdedores. E hoje em dia, num mundo cada vez mais globalizado, cada um cultiva a crença de que as possibilidades se resumem em: ser como os bem sucedidos empresários (sejam eles médicos, publicitários, psicólogos, traficantes ou altruístas de plantão), ou ser um zé, um resto, um nada.
Esta relação despertou entre alguns a posição de perdedores radicais, cuja existência, sujeita a essa mesma ordem, se restringe à rancorosa destruição do outro que ele não consegue ser. São aqueles que, tendo suportado calados ou covardemente, uma série de sujeições e humilhações de outros colegas, reagem em uma explosão autoritária.
A partir destes casos extremos pesquisas são realizadas para fundamentarem novas medidas e investimentos sobre o corpo das crianças e dos jovens. Criam-se conceitos, doenças, e transtornos que passam a compor uma atmosfera de medo e desconfiança generalizada, e imobilizadora.
Jovens e crianças se tornam alvo da vigilância constante, sob a ameaça de se tornarem de suicidas a psicopatas. Qualquer impulsividade (própria de qualquer um que tem sangue nas veias) se torna um possível Transtorno Compulsivo já ou na “fase adulta”, que deve ser contido IMEDIATAMENTE.
Pais, escolas, comunidade, médicos, polícia e os próprios alunos se voltam para a prevenção e contenção de um perigo (inexistente) que pode vir a existir. A paranóia é preferível ao descontrole, e desta forma, não sobra muito espaço para a vida.
Crianças e jovens, em qualquer lugar do mundo (ao menos aquelas que já não foram completamente podadas ou dopadas) gostam de experimentar. Experimentam sensações, sabores, sentidos, outras ordens e a sua potência.
Algumas experimentações às vezes são cruéis. Crianças já adestradas e engessadas na família e mesmo na escola se mostram como pequenos tiranos ou conformistas; para essas, a escola já cumpriu bem o seu papel. Mas qualquer outra criança que tenha sido criada de forma livre sabe reconhecer que só se sujeita quem quer e, como qualquer guerreiro, não fica imóvel diante de um confronto.